sábado, 22 de agosto de 2009

Ervas derrubam preconceitos

Ações terapêuticas de espécies medicinais já são reconhecidas pelo Ministério da Saúde, universidades e órgãos públicos

Texto: Suely Gonçalves

Há 5 mil anos o homem usa as plantas para curar os males do corpo e da alma. Em um documento datado de 2.700 a.C estão organizadas 365 ervas medicinais, com suas ações terapêuticas. Hoje, o setor já movimenta mundialmente 520 milhões de dólares e se expande a um ritmo de 7% ao ano. Diante desses fatos, a ciência está deixando de lado o preconceito e esmiuçando esses estudos antigos. Afinal, há um consenso entre os estudiosos de que a busca por um estilo de vida mais saudável inclui o uso de medicamentos menos agressivos.

A Unifesp - Universidade Federal de São Paulo, por exemplo, ministra um curso para médicos interessados em conhecer os segredos da fitoterapia. A primeira turma reuniu 30 doutores, que saíram de lá dispostos a integrar as plantas com comporvada eficácia ao tratamento de pacientes, desde que compravocada sua eficácia. A universidade preparou um manual que lista cerca de 80 plantas com seu princípio ativo, a dose recomendada e os efeitos colaterais. É a chamada fitomedicina, que junta o conhecimento empírico ao científico.

O Ministério da Saúde, por sua vez, instituiu no ano passado o Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas dentro do SUS - Sistema Único de Saúde, com orçamento de 893 milhões de reais. Na verdade, desde 2007 o SUS fornece medicamentos fitoterápicos para 12 estados. "O programa é um instrumento de geração de renda, de desenvolvimento local e estruturação da cadeia produtiva por mobilizar desde o cultivo da semente até a produção do fitoterápico", analisa José Miguel do Nascimento Júnior, diretor do departamento de Assistência Farmacêutica do Ministério da Saúde. Ele acentua que o custo médio para o desenvolvimento de um medicamento sintético gira em torno de 400 milhões de dólares. Quando se trata de um remédio à base de plantas esse preço cai para cerca de 100 mil dólares.

O IBPM - Instituto Brasileiro de Plantas Medicinais também já traçou seus objetivos e um deles é o intercâmbio e integração entre pesquisadores, tecnólogos, produtores e instituições que atuam na área. A experiência nesse setor atesta que são os pequenos que apresentam perfil adequado para cultivar plantas medicinais, porque são orgânicos na sua essência. Além disso, não fazendo cultivo em larga escala, promovem diferentes plantios numa mesma área como forma de proteger as espécies das pragas.

Hoje em dia, os quintais das casas simples onde vivem os habitantes das comunidades rurais estão sendo consideradas "sistemas agroflorestais domésticos". Eles se transformaram em objetos da etnobotânica, um ramo da biologia que investiga os conhecimentos de comunidades tradicionais (índios, caboclos, ribeirinhos, seringueiros, pequenos produtores rurais etc.) e procura empregar esses conhecimentos para solucionar problemas comunitários ou para fins conservacionistas. Trocando em miúdos, é a ciência aprendendo com a tradição e se beneficiando dela e vice-versa.

Como a etnobotânica é um grande auxiliar para a conservação do meio ambiente, ela tem interessado cada vez mais a juventude universitária. Três alunas da UFF - Universidade Federal Fluminense, Ana Mayumi Tamashiro, Mariana Martins Quinteiro e Moemy Gomes Moraes desenvolveram um trabalho junto a uma comunidade de Visconde de Mauá, RJ, baseado na utilização dos seus recursos naturais para fins medicinais e alimentares. Aliadas aos moradores, elas buscaram soluções capazes de gerar rendimentos de forma sustentável, sem agredir o meio ambiente. "É imprescindível ouvir essas pessoas para planejar estratégia. Temos muito o que aprender com elas", afirma Ana Mayumi. "É a ciência rompendo com o velho preconceito de que o uso de ervas é coisa de pobre", completa Mariana Quinteiro.

O Ceará acordou para essa realidade faz tempo, com a criação da Farmácia Viva. Hoje, o Núcleo de Fitoterapia da Secretaria de Saúde do estado é o principal responsável pelo abastecimento de fitoterápicos, disseminando a técnica para todos os municípios. Remédios como o xarope de chambá e o sabonete de alecrim-pimenta são produtos que já fazem parte das farmacinhas domésticas. Para amparar o projeto Farmácia Viva foram criadas hortas de plantas medicinais comunitárias. A Universidade Federal do Ceará desenvolveu pesquisas com inúmeras plantas com potencial medicinal no semiárido brasileiro. Resultado: 25 dessas espécies foram recomendadas pelo SUS. A Embrapa Agroindústria Tropical instalou em Fortaleza um horto de plantas medicinais contendo materiais genéticos para o desenvolvimento de pesquisas. "Essas ações tornam o Ceará referência em desenvolvimento de Fitoterápicos", orgulha-se Cássia Alves Pereira, engenheira agrônoma da Embrapa.

O Brasil deve muito a essas corajosas iniciativas. Mas é bom ficar atento ao relatório produzido por Weber Amaral, da USP - Universidade de São Paulo, e João Matos, da Beraca Brasmazon, Indústria de Oleaginosas e Produtos da Amazônia. "Os produtos oriundos da biodiversidade geralmente são coletados de forma extrativista ou possuem produção sazonal, são heterogêneos sob o ponto de vista da qualidade e possuem baixo valor agregado. Além disso, os grupos de pequenos agricultores nem sempre são capacitados para redigir ou entender contratos para a prestação de serviço para fornecedores de seus produtos a terceiros", dizem. E desatar esse cipoal de problemas é um desafio e tanto.
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