"Estamos em um momento da atenção básica brasileira em que foram desenvolvidas muitas reflexões bastante elaboradas sobre os caminhos da atenção integral. Principalmente entre os gestores do setor saúde, circulam muitos estudos e propostas de reorientação do cuidado em saúde referenciadas em sofisticados estudiosos nacionais e internacionais. Isto representa um grande avanço. Mas conhecimentos e propostas teóricas não substituem a atitude de proximidade e abertura para o diálogo com o outro que, no trabalho em saúde,.se apresenta de maneiras tão diversas e inusitadas. Teorias muito sofisticadas sobre o cuidado integral, aprendidas apenas no nível da razão, têm ajudado a reforçar uma atitude de soberba e fechamento diante de colegas que não as conhecem ou diante de pessoas em atendimento ou grupos comunitários, que não se adeqüam às suas formulações. Como os gestores não prestam assistência diretamente, eles precisam generalizar este conhecimento progressista junto aos profissionais que lidam com o cotidiano do atendimento, através de procedimentos administrativos e pedagógicos. Tem-se assistido muitos processos de educação profissional que são verdadeiras tentativas de enfiar “goela abaixo” conhecimentos progressistas voltados para a atenção integral. Temos assistido, com outras roupagens e outros conteúdos, a ampliação, na saúde pública, da pedagogia mais autoritária, centrada em conteúdos teóricos progressistas e humanizantes, que setores de esquerda considerados de vanguarda historicamente vêm empregando. Desconsidera- se, muitas vezes, os saberes prévios e os valores diferentes, nestes processos de educação permanente, por considerar os profissionais de saúde em treinamento como alienados e presos a modelos médicos tradicionais. Em nome da urgência de humanizar a assistência à saúde no SUS, tem-se ampliado práticas educativas voltadas para os profissionais de saúde, marcadas pelo que Paulo Freire chamaria de educação bancária, apesar de se utilizar muitas rodas de discussão e metodologias problematizadoras. Em muitos municípios brasileiros a relação entre gestores, com discursos extremamente progressistas, e os profissionais da assistência tornou-se autoritária e, até mesmo, massacrante. A angústia destes profissionais tem crescido muito.
É urgente trazer para as práticas de educação permanente, no SUS, os aprendizados da educação popular, até a pouco, centrada nas relações com as comunidades. Esta é a grande novidade da educação popular em saúde nos últimos anos: a constatação de sua pertinência na formação profissional. Os doutores e estudantes têm saberes anteriores que necessitam ser considerados. Sofrem processos de opressão que precisam ser discutidos, pois estão constrangendo seus envolvimentos com o trabalho. Carregam sonhos, utopias e propostas próprias de mudança social que, se acolhidas, contribuem para elevar ânimos e criar um sistema de saúde mais diverso e rico. Vivem emoções embaraçosas e intensas em seu trabalho que precisam encontrar um ambiente acolhedor e fraterno para serem elaboradas. Têm propostas diferenciadas daquelas defendidas pelas chefias e gestores que, apesar de desarrumarem os planejamentos prévios, costumam enriquecer muito a instituição. Mas não é fácil desenvolver relações pedagógicas dialogadas e amorosas em contextos institucionais tão marcados pelo conflito. Não basta querer fazê-lo. É preciso trazer e valorizar a experiência, já acumulada pela educação popular em sua história, de enfrentamento das dificuldades do diálogo na educação. Esta experiência, desenvolvida em contextos sociais conflitivos e de muita opressão mascarada, denuncia que rodas de discussão e dinâmicas pedagógicas muito criativas podem ser instrumentos de coerção dos educandos. Ela anuncia que conteúdos teóricos muito progressistas são ineficazes se não forem ampla e livremente questionados pelos valores e propostas dos educandos. Frisa que, sem uma atitude de afetuosa de acolhimento e sem o investimento pedagógico na elaboração das relações afetivas entre os educandos e para com as comunidades, os avanços das discussões teóricas geram poucos frutos. É por isto que as vivências deste livro são importantes. Vivências vão além de conhecimentos teóricos, pois explicitam também motivações, emoções, valores e atitudes, elementos importantes para anunciar o que é a educação popular em saúde hoje. Educação popular é mais do que uma concepção teórica de educação, pois inclui também uma atitude de vida. Uma atitude “popular” que valoriza a abertura aos oprimidos (da esposa do alcoólatra ao profissional do posto de saúde sufocado) e prioriza a contribuição dos subalternos (do desempregado ao estudante) no processo educativo e na reconstrução política da sociedade.
Precisamos avançar na construção de um SUS que entusiasme seus trabalhadores, acolha e apóie a diversidade de projetos de felicidade e saúde existentes na sociedade brasileira, valorize o protagonismo dos vários grupos profissionais e comunitários na luta pela saúde e incorpore a emoção, alegria e determinação daqueles que escolhem o setor saúde para atuar. Para isto, este SUS precisa ser ampliado e reorientado, não apenas por iniciativas e estratégias administrativas, legais e políticas, mas principalmente pela utilização da educação como instrumento de gestão participativa e valorizadora da diversidade e dos saberes dos vários atores sociais nele envolvidos. Para isto é importante revalorizar a concepção de educação que, desde os primórdios do SUS, vem sendo elemento dinamizador das experiências mais avançadas de atenção integral à saúde, onde o entusiasmo, a diversidade de propostas e o protagonismo dos moradores e de todos os profissionais eram marcantes. Em nome de um academicismo centrado na Europa e nos Estados Unidos, muitos têm desvalorizado Paulo Freire e supervalorizado outras pedagogias ativas e problematizadoras, referenciadas em autores estrangeiros, muito mais limitadas".
É urgente trazer para as práticas de educação permanente, no SUS, os aprendizados da educação popular, até a pouco, centrada nas relações com as comunidades. Esta é a grande novidade da educação popular em saúde nos últimos anos: a constatação de sua pertinência na formação profissional. Os doutores e estudantes têm saberes anteriores que necessitam ser considerados. Sofrem processos de opressão que precisam ser discutidos, pois estão constrangendo seus envolvimentos com o trabalho. Carregam sonhos, utopias e propostas próprias de mudança social que, se acolhidas, contribuem para elevar ânimos e criar um sistema de saúde mais diverso e rico. Vivem emoções embaraçosas e intensas em seu trabalho que precisam encontrar um ambiente acolhedor e fraterno para serem elaboradas. Têm propostas diferenciadas daquelas defendidas pelas chefias e gestores que, apesar de desarrumarem os planejamentos prévios, costumam enriquecer muito a instituição. Mas não é fácil desenvolver relações pedagógicas dialogadas e amorosas em contextos institucionais tão marcados pelo conflito. Não basta querer fazê-lo. É preciso trazer e valorizar a experiência, já acumulada pela educação popular em sua história, de enfrentamento das dificuldades do diálogo na educação. Esta experiência, desenvolvida em contextos sociais conflitivos e de muita opressão mascarada, denuncia que rodas de discussão e dinâmicas pedagógicas muito criativas podem ser instrumentos de coerção dos educandos. Ela anuncia que conteúdos teóricos muito progressistas são ineficazes se não forem ampla e livremente questionados pelos valores e propostas dos educandos. Frisa que, sem uma atitude de afetuosa de acolhimento e sem o investimento pedagógico na elaboração das relações afetivas entre os educandos e para com as comunidades, os avanços das discussões teóricas geram poucos frutos. É por isto que as vivências deste livro são importantes. Vivências vão além de conhecimentos teóricos, pois explicitam também motivações, emoções, valores e atitudes, elementos importantes para anunciar o que é a educação popular em saúde hoje. Educação popular é mais do que uma concepção teórica de educação, pois inclui também uma atitude de vida. Uma atitude “popular” que valoriza a abertura aos oprimidos (da esposa do alcoólatra ao profissional do posto de saúde sufocado) e prioriza a contribuição dos subalternos (do desempregado ao estudante) no processo educativo e na reconstrução política da sociedade.
Precisamos avançar na construção de um SUS que entusiasme seus trabalhadores, acolha e apóie a diversidade de projetos de felicidade e saúde existentes na sociedade brasileira, valorize o protagonismo dos vários grupos profissionais e comunitários na luta pela saúde e incorpore a emoção, alegria e determinação daqueles que escolhem o setor saúde para atuar. Para isto, este SUS precisa ser ampliado e reorientado, não apenas por iniciativas e estratégias administrativas, legais e políticas, mas principalmente pela utilização da educação como instrumento de gestão participativa e valorizadora da diversidade e dos saberes dos vários atores sociais nele envolvidos. Para isto é importante revalorizar a concepção de educação que, desde os primórdios do SUS, vem sendo elemento dinamizador das experiências mais avançadas de atenção integral à saúde, onde o entusiasmo, a diversidade de propostas e o protagonismo dos moradores e de todos os profissionais eram marcantes. Em nome de um academicismo centrado na Europa e nos Estados Unidos, muitos têm desvalorizado Paulo Freire e supervalorizado outras pedagogias ativas e problematizadoras, referenciadas em autores estrangeiros, muito mais limitadas".
Texto de Eymard Mourão Vasconcelos
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