quarta-feira, 28 de julho de 2010

Resiliênca, quando a carência gera competência

Toda carência gera uma competencia. A resiliência, um dos pilares básicos em que se apóia a Terapia Comunitária, se refere ao saber que a pessoa adquire ao longo da sua vida, pela experiência, a luta, as vitórias sobre dores que poderiam te-la quebrado ou, de fato, a quebraram durante anos.

Quando a pessoa emerge vitoriosa do processo de estranhamento de si mesma, quando ela recupera a sua autoestima, aprende que ela é alguém de valor sem igual na sua vida, alguém que por ter vencido todas as batalhas que se apresentaram até o momento atual, é dona de um saber e de um poder que nada deve a ninguém, mas apenas a si mesma.

Tendemos a valorizar em demasia algo que lemos, uma ajuda que recebemos, alguma pessoa ou muitas, a quem atribuimos valor enorme na nossa vida. Mas sem a nossa decisão de vencer, teriamos sucumbido. As pessoas do meio popular valorizam muito o saber aprendido na escola da vida.

A Terapia Comunitária reforça esta atribuição de valor, enfatizando que cada um é doutor na sua própria experiência. Saber que se aprende nos livros e nas escolas, o saber técnico-científico, na substitui mas se complementa com o saber experiencial, o que foi adquirido no dia a dia, ao longo dos anos, na luta contra circunstâncias adversas, quer seja na família, a primeira escola de cada um, quer na escola ou no trabalho, na vizinhança, nas distintas esferas sociais de atuação.

A pessoa resiliente valoriza os gestos de ajuda que recebeu e recebe ao longo da vida. Ela se nutre da generosidade, da infinidade de atos de amor que a acolheram e ampararam ao longo das vicissitudes que teve de atravessar. Ela sabe que cada um, cada ser humano, é a soma de infindáveis atos e gestos de colaboração que deram por resultado o ser que cada um de nós é agora.

A vida adquire um valor inestimável desde esta perspectiva, em que tudo que somos reúne os nossos ancestrais, os amigos que fomos tendo nas distintas etapas da vida, as lutas que tivemos que enfrentar, os ambientes e experiências adversos pelos que tivemos que atravesar, as vitórias que nos foi dado obter. Somos uma soma de atos de amor.

A pessoa resiliente sabe disto, e age em conseqüência, valorizando cada pequena coisa. É comum em famílias de imigrantes ou pessoas que sofreram necessidades como fome ou escassez, valorizar uma migalha de pão, uma gota de água, um pedaço de comida, um olhar de compreensão, uma escuta calorosa e atenta.

Quando a pessoa se vê na trama da vida, na teia da vida, como costumamos dizer na Terapia Comunitária, ela não dispensa nada, e o que a faz sofrer a faz crescer. Ela descobre isto na sua formação como terapeuta comunitário, quando reconhece o processo do qual é resultado. Si se sentiu abandonada, não querida, torna-se amorosa, sensível ä dor alheia, capaz de se doar sem nada esperar, sabendo da alegria de poder se integrar amorosamente na vida dos outros.

Se foi problema, tende a ser solução. Se se sentiu um estorvo, sabe acolher. No processo de se tornar terapeuta comunitário, a pessoa aprende a se tornar cada vez mais autônima, mas senhora de si, na medida em que sai do papel de vitima para o de vencedor. A complementação do saber científico com o experiencial, oriundo da vida e das vivências que cada pessoa passou e passa, cria essa capacidade resiliente que torna o individuo forte naquilo em que foi mais débil.

É a transformação da fraqueza em força, e cada ser humano é capaz de descobrir e descobre que isto ocorre na vida de cada pessoa. Neste sentido, pode-se dizer que é a vitória do ser humano sobre a adversidade. Eterna epopéia infindável em que todos estamos involucrados, e que não termina enquanto há vida.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Voltar, vencer

Na sexta-feira passada, passei por uma experiência que sinto necessidade de partilhar. Não desde o ponto de vista de uma vítima, embora eu e a minha esposa tenhamos ficado sob ameaça de arma de fogo e de faca, amarados, reféns na nossa própria casa, mas desde o ponto de vista humano, ou, melhor, desde um ponto de vista humano. Tenho pensado muitas vezes, desde então, o que é que os ladrões levaram de mais valioso desta vez.

Tenho voltado a ter as sensações que me acompanaram durane anos, de medo, paranoia, deconfiança, insegurança. Depois de muitos anos de árduo trabalho, tinha cmeçado a viver em paz, a confiar outra vz nas pessoas, a acordar de manhã e passar o dia numa calma benfazeja que me fazia apreciar a vida no que tem de mais belo. Isto virava poemas que partilhava com amigos e amigas, com colegas da terapia comunitária e do grupo de Igreja de que participo. Sei que isto voltará, náo sei quando, mas posso dizer, a todos e a todas que me lêem, que sei que hei de voltar novamente, como voltei da primeira vez, como continuarei voltando, porque é destino humano se ter de volta cada vez que nos perdemos.

Ninguém volta sozinho, isto sabemos, e sinto ao meu lado a presença de tantos seres amados, de luta e de força, incansáveis parteiros e parteiras da esperança e do amor. Sei que hei de vencer, porque o amor vence sempre e nada há superior ou maior do que o Amor.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Refletindo o Cuidar e ser Cuidado

Essas frases foram coletadas por mim e no final de cada uma contém uma pergunta reflexiva. Fiz um trabalho com funcionários dos CRAS de Campo Limpo Paulista, onde reunidos em grupos eles escolheram uma frase por membro para refletir em grupo num primeiro momento. Num segundo momento, da reflexão feita, eles bolavam uma frase síntese que seria então "publicada" na forma de folder e anexada em cada CRAS da cidade. Foi bem divertido e enriquecedor o trabalho, já que todos são cuidadores. Aproveitei para ter em mãos essas perguntas para utilizar como mote em momentos oportunos.

Cuidar e ser cuidado

1. Cuidar é respeitar cada ser, começando por você. Aceitar as diferenças, cada um é doutor de sua própria vida. Você tem aceitado as pessoas como elas são, sem tentar modificar, corrigir, julgar, convencer ou resolver pelo outro? E você tem sido respeitado?


2. Cuidar é perceber o sofrimento do outro e ser capaz de acolhê-lo e compreendê-lo com serenidade, amor e compaixão. Você tem acolhido com o coração aberto?

3. Ser Cuidado só é possível se eu me entrego ao cuidado, se me permito ficar vulnerável, na condição de humano frente aos outros. Você tem manifestado suas idéias, sentimentos, dúvidas, medos e inquietações em certos assuntos da sua vida?

4. Ser cuidado é a aquisição da confiança no outro, de que você também merece e precisa de cuidados. Como está sua confiança nas pessoas?


5. Cuidar é a capacidade de despir-se dos pré-preconceitos. Você tem revisto suas crenças e conceitos quando necessários?

6. Cuidar é mostrar ao outro que ele é importante e que vale a pena sempre investir nele mesmo. Como está sua confiança na capacidade do outro, na regeneração do ser humano?

7. Cuidar e ser cuidado é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar autor da própria história. Você tem utilizado sua força de vontade, força interior, força adquirida das suas experiências de vida para transformar e aprimorar sua vida?

8. Ser cuidado é abrir-se para falar da intimidade com alguém que respeite nossos sentimentos e nossa luta com as circunstâncias da vida. Você tem um espaço para ser ouvido, compreendido em suas aflições, e compartilhado seus conhecimentos, suas experiências, suas riquezas?

9. Cuidar e ser cuidado é incentivar o outro e a si mesmo na busca por compreender-se e aceitar-se pelo que se é e não pelo que esperam que sejam. Você é o que você é ou o que os outros esperam que você seja? Você deixa as pessoas serem o que são ou mostra o caminho que você acha que seria o melhor para elas?

10. Cuidar é ter consciência da possibilidade do outro resgatar ou desenvolver potencialidades que possam ajudá-lo a realizar seu propósito essencial. Você tem dado apoio ao aprimoramento alheio sem alimentar a dependência em suas relações?

11. Cuidar é fazer aos outros aquilo que você gostaria que lhe fizessem. Como está sua balança da vida, tem feito pelos outros aquilo que gostaria de receber?

12. Cuidar é refletir sobre se os cuidados dispensados aos outros também são dispensados a você mesmo. Você tem pedido ajuda quando necessário? Você tem ajudado dentro de suas possibilidades?

13. Cuidar e ser cuidado exige um tempo para descontrair. Brinque, mexa e ria com você mesmo e com os outros. A vida não deixa de ser séria quando cultivamos alegria em nós e nos outros. Você tem celebrado as coisas boas da vida? Tem doado e recebido Amor e Alegria em sua vida?

14. Ser cuidado é assumir nossa posição humana, respeitando nossos limites e ritmo interno. Você tem respeitado seus limites e seu ritmo interno, sua maneira de ser, de se relacionar? Tem conseguido falar não quando necessário?

15. Cuidar e ser cuidado é preparar-se para enfrentar os desafios da vida (grandes ou pequenos; internos ou externos). Você tem mobilizado atenção e determinação para se conhecer, se aprimorar, vislumbrar e realizar seu propósito de vida para que a vida tenha valor?

16. Cuidar é não pretender fazer mais do que é possível (fazer pelo outro), nem menos do que é necessário (envolve compromisso e vínculo na relação). Como está sua prática no ato de cuidar?

17. Cuidar de si mesmo é empregar o tempo da melhor maneira possível. Como tem empregado o tempo na sua vida?

18. São Bartolomeu alerta-nos para o excesso quanto desperta seus discípulos ao dizer “(…) não descuides por causa disso o cuidado de ti mesmo, e não te dês aos outros até ao ponto de não restar nada para ti, para ti próprio”. Você tem pensado em você ou somente nos outros?

19. Cuidar é fazer de qualquer troca com outro ser humano, uma oportunidade para fazer uma conexão, através de um sorriso, de um gesto, de uma palavra. É fácil para você estabelecer conexão com os outros?

20. Cuidar-se é a melhor maneira de estar com outras vidas no seu dia-a dia, pois quanto mais você se cuidar, melhor cuidador será. O que tem feito para se cuidar?

21. Cuidar significa reconhecer que somos todos humanos e que todos sofremos algum tipo de dor. Você tem conseguido transformar suas dores em aprendizados, tirado as lições que precisa para seu aperfeiçoamento?

22. Cuidar e ser cuidado é ter consciência de que cada um de nós precisará de algum tempo e muito amor para se mostrar. Você tem dado aos outros e recebido o tempo, espaço e apoio com amor? Você tem expressado gratidão pela ajuda recebida?


23. “Saber cuidar e saber cuidar-se” é estabelecer relações harmoniosas entre as quatro dimensões da pessoa humana: relações consigo mesmo, com os outros, com o meio ambiente e com o Transcendente. Você tem se esforçado para se conhecer e conhecer o outro, penetrando nas profundezas do próprio eu? Tem cultivado seus valores pessoais?

24. Saber cuidar e saber cuidar-se é o exercício do Amor. Você tem se amado e se aceitado mesmo com suas limitações e dificuldades?

25. Cuidar é usar nossos talentos particulares para enriquecer as realizações das quais participamos, assumindo a parte que nos cabe. Você tem assumido a sua parte ( somente a sua e não a dos outros) de responsabilidade nas situações da sua vida?

26. Cuidar é desenvolver a relação de empatia, saber colocar-se no lugar do outro, seja em situações gratificantes ou de frustrações, sem contagiar ou impregnar-se com o que é do outro. Você consegue se envolver com os outros, acolhê-los sem pegar o problema para você?

27. Cuidar é não doar nossos cuidados exclusivamente para alguns e se distanciar de pessoas importantes da nossa vida. Todos precisam receber para poder dar. Quais são as pessoas do clube da sua vida que são importantes para você? Você tem dado e recebido atenção e cuidados destas pessoas?

Esse é o folder que foi anexado:

FRASES CÉLEBRES E REFLEXIVAS DE AUTORES MUITO ESPECIAIS

“O DESAFIO DE CUIDAR É APRENDER A DAR E RECEBER SEM INVANDIR O LIMITE DO OUTRO E SEM ULTRAPASSAR O SEU PRÓPRIO LIMITE”.
GISLAINE ; DJANIRA; GISLAINE

“VIVA O HOJE, CONHEÇA OUTRAS PESSOAS E DEIXE OS OUTROS TE CONHECER”.
DULCE; ISABEL; MARLENE

“DEVEMOS RETRIBUIR O QUE RECEBEMOS COM SENTIMENTO E AMOR, CONECTAR-SE NEM SEMPRE É FÁCIL, MAS QUANDO SE CONSEGUE, FICA-SE CADA VEZ MAIS LIVRE. SOMOS SERES HUMANOS PASSÍVEIS DE ERROS E ACERTOS. PARA CUIDAR DO OUTRO DEVEMOS NOS CUIDAR PRIMEIRO.”
ANTÔNIO; SILVANA; ROSELI

“CUIDE COM AMOR, ALEGRIA, ESPONTANEIDADE DE TODOS QUE NECESSITAR. NÃO ESQUEÇA DE PEDIR AJUDA QUANDO NECESSITAR, AFINAL VOCÊ TAMBÉM TEM SEUS LIMITES”.
VERA; SUELY; DÉBORA

“A BUSCA PELO EQUILÍBRIO INTERNO DE CADA UM REFLETE NAQUILO QUE PODEMOS COMPARTILHAR COM O OUTRO”.
DANIELA; VILMA; ILMA; SÔNIA

“NOS RECONHECEMOS, NOS ACEITAMOS E NOS COLOCAMOS EM BUSCA DE MELHORIAS, POR MEIO DA FÉ, DO TRABALHO E DETERMINAÇÃO, APROVEITANDO AS OPORTUNIDADES NO DIA-A-DIA”. OSMAR; EDILEUZA; JOSÉ; MAGALI

terça-feira, 6 de julho de 2010

A teoria da comunicação humana, um dos pilares da Terapia Comunitária

A teoria da comunicação humana é um dos pilares básicos da terapia comunitária. Formulada por Watzlawick, Helmick-Beavin e Jackson, permite compreender a ação humana como um comportamento em que são transmitidas mensagens. Toda a conduta humana é transmissora de mensagens, inclusive quando nos propomos a não comunicar, estamos dizendo algo: você não existe, você não me importa, você não é de nada. Bem dizem que o contrário do amor não é o ódio, mas a denegação. Na terapia comunitária, aprendemos que uma pessoa deixa de ter sentido ou passa a ser ignorada deliberadamente, e isto acarreta conseqüências para a sua auto-estima, para a noção de si, para o seu modo de ser e de se comportar no mundo.

Uma criança que não foi desejada, desde o ventre materno soube disso, e veio ao mundo preparada para ter que agradar, para dizer que sim o tempo todo, para aceitar qualquer coisa em troca de um pouco de afeto. Uma que foi querida desde a conceição, ao contrário, é capaz de dizer sim quando quer, e não quando não quer. Estas constatações aparentemente muito simples, permitem com que a pessoa comece a ver a si própria desde outro lugar, desde uma possibilidade de auto-conhecimento autêntico, sem enganos, verdadeiro.

Muitas vezes, nas terapias ou nas formações de terapeutas comunitários, os participantes são levados a descobrirem as falsas imagens que fizeram de si mesmos, e que os tem aprisionado durante a vida toda, ou por longos períodos de tempo. Quando a pessoa começa a se perceber como alguém que venceu muitas batalhas, alguém que soube dar a volta por cima em circunstâncias que poderiam tê-la quebrado ou desviado do seu caminho, o conceito de si começa a emergir de uma maneira positiva. O sujeito se descobre capaz de direcionar sua própria vida, de dar um significado ao seu existir, de decidir o que quer que seja o seu próprio ser. “O que você quer para eu querer” (a criança ou a pessoa boazinha). “O que você quer para eu não querer” (o rebelde ou contestatário) são prisões em que a pessoa deixa de ser ela mesma, perde a sua liberdade, age por automatismos.

Quando aprendemos a decodificar as primeiras mensagens e a lê-las ao nosso favor, quebram-se os determinismos da nossa vida. Se alguém se sentiu abandonado, não querido, porque foi esperado menina e era menino, ou o contrário, isto determinou reações que estiveram fora do seu controle, da sua capacidade de decidir. Agiu durante anos contra o mundo, contra as pessoas, por vingança: não me quiseram, não os quero. Muitos comportamentos agressivos estão animados por uma reação de quem se sentiu não querido, não amado.

Muitas vezes a agressividade vai direcionada contra a própria pessoa, que passa a conviver com um tirano interno, um sabotador da sua felicidade e do seu direito a viver com alegria e segundo sua maneira única e irrepetível, no meio aos outros. Nas formações de terapeutas comunitários, um dos exercícios é a descoberta do animal com que cada um se identifica. Formam-se grupos e os coleguinhas que escolheram o mesmo animal, trocam figurinhas a respeito de si mesmos, dos seus modos de ser característicos.

Isto faz com que cada um descubra sua natureza mais comum ou freqüente, suas formas habituais de ser e de se comportar. Então, a pessoa deixa de se condenar e de se comparar com os outros, descobre sua forma única de ser, e a aceita. As mensagens recebidas (fui abandonado, não me quiseram) são re-codificadas em função do contexto interpretativo que a interpretação sistêmica e integrativa propõe, com base nos valores dos pais e da cultura em volta, e das escolhas próprias a pessoa. O que se aprende na terapia comunitária, em termos da comunicação, é a sair ou tentar quebrar as armadilhas da comunicação paradoxal, do duplo vínculo e das distorsões das mensagens equívocas que emitimos ou recebemos. “Carta certa para pessoa errada”, é quando emitimos uma mensagem que é correta no seu conteúdo, mas está sendo direcionada a quem não tem nada a ver.

Quando a reação é desproporcionada ao fato, estamos reagindo não ao fato, mas ao que ele nos remete. Estas chaves nos dão elementos para irmos re-programando a nossa conduta desde uma visão mais atual, mais presente, menos condicionada pelo passado. O passado é visto como o estrume necessário para o crescimento da planta. O presente desponta como um tempo novo, livre de amarras. O empoderamento das pessoas e das comunidades depende em boa medida da decodificação e re-codificação de mensagens recebidas e emitidas.